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/ quinta-feira, maio 2, 2024
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Nova redação da NR-12: Mais riscos para os trabalhadores

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Nota Técnica:
NORMA REGULAMENTADORA nº 12 – SEGURANÇA NO TRABALHO EM MÁQUINA E EQUIPAMENTO 

O Instituto Trabalho Digno (ITD) é uma entidade de caráter científico, sem fins lucrativos, que se propõe a executar e promover o estudo, a reflexão, a pesquisa e outras iniciativas acerca do trabalho humano.

As chamadas normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho (NR) são o fundamento e método para que o trabalho não adoeça, mutile ou mate, impondo também reflexos no campo previdenciário e econômico.  Tais normas estão sob permanente ataque travestido de “modernização”.

Diante do momento crítico, o Instituto passou a apoiar os esforços de vigilância e acompanhamento das alterações pretendidas e executadas pelo governo federal, a exemplo da sua nota sobre a revisão da Norma Regulamentadora nº 3 – Embargo e Interdição (NR-3),  encaminhada à Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP), que cria dificuldades à aplicação do procedimento administrativo cautelar de proteção à integridade e à saúde dos trabalhadores. 

Nesta etapa, são tecidas considerações acerca da nova redação da Norma Regulamentadora nº 12 (NR-12), dada pela Portaria nº 916, de 30 de julho de 2019:

1. No trágico quadro acidentes de trabalho no Brasil, são impactantes os eventos incapacitantes e fatais relacionados à interface humana com máquinas e equipamentos. Várias iniciativas relacionadas ocorreram ao longo dos anos, como os acordos coletivos sobre injetoras de termoplásticos, prensas e similares realizados nos anos 90, no estado de São Paulo;

2. Essas iniciativas culminaram com a criação de um Grupo Técnico (GT), em 2008, formado por representantes do governo, trabalhadores e empregadores, que buscou decisões consensuais para redação da norma. Após muitos meses de esforços mútuos, uma versão ampliada para a NR-12 é publicada, vide Portaria nº 197, de 24 de dezembro de 2010;

3. A versão anterior da NR-12 foi fruto de amplo debate em espaços do extinto Ministério do Trabalho, cujo objetivo primordial foi a redução do alarmante número de acidentes envolvendo máquinas;

4. Estudo da extinta Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), com base nas Comunicações de Acidentes de Trabalho (CAT), mostrou que, entre 2011 e 2015, período de vigência desta versão da NR-12, teria ocorrido uma redução de 23% no número de CAT envolvendo máquinas. Estes registros com informação de ocorrência de amputação teriam tido redução ainda maior: 31%. Apesar das limitações dos dados do sistema CAT, por não abrangência e subnotificação historicamente reconhecida, os números, ainda que continuem inadmissíveis, evidenciam que a parcial implementação da NR-12 cumpriu um papel efetivo na redução sustentável deste tipo de evento;

5. Apesar da importância, a NR-12 sempre esteve sob crivo de algumas entidades patronais mais atrasadas, mesmo estas tendo participado de todo o seu processo de elaboração. Os ataques foram crescentes, atingindo seu ápice em 2016, quanto o Senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) propôs projeto de decreto legislativo com o objetivo de sustar o regulamento;

6. Entre os argumentos destas entidades para buscar barrar os efeitos da NR-12 estaria o seu custo de implantação, especialmente para equipamentos importados. Há um equívoco da abordagem destas representações. No país, não há qualquer espécie de controle sobre a fabricação, importação e distribuição de maquinário, a despeito de proibições de fabricação, importação, venda e locação de maquinário considerado irregular, na forma do art. 184, parágrafo único da CLT, e da redação da própria NR 12. No caso das importações de maquinário estrangeiro, mesmo que haja previsão expressa na Lei nº 5280/67, relacionada ao controle aduaneiro, está sem respectivo decreto regulamentador desde 1991. Isso significa que o atual mercado de máquinas brasileiro é hoje inundado por máquinas e equipamentos de má-qualidade, fabricadas e importadas ao arrepio da lei, sendo tal prática inclusive utilizada como forma de prática de concorrência desleal contra fabricantes que seguem preceitos normativos. O problema nunca foram as disposições da NR-12, mas a ausência de uma política pública eficaz para a minimização de eventos acidentários relacionados à interação com máquinas;

7. A resistência proposta pelo bom senso, movimentos sociais e entidades da sociedade civil contrárias ao retrocesso conseguiu barrar a proposta. Como alternativa, o governo Temer fez novas concessões ao empresariado, flexibilizando procedimentos da fiscalização estatal e concedendo mais prazos para o cumprimento das obrigações normativas, vide Instrução Normativa (IN) n° 129, editada pelo Ministério do Trabalho em janeiro de 2017;

8. A posse do novo governo trouxe o ideário de inanição do Estado, vide várias iniciativas relacionadas, como o projeto de lei de conversão da MP 881. E junto com a precarização do trabalho, a minimização do caráter protetivo da legislação trabalhista e previdenciária. A regulamentação da segurança e saúde das pessoas que trabalham, mesmo tendo como foco valores perenes, é também alvo deste processo. Em cenário anômalo e desfavorável ao valor trabalho, não coincidentemente, uma nova Norma Regulamentadora nº 12 foi republicada, Portaria nº 916, de 30 de julho de 2019.

DA AVALIAÇÃO DAS ALTERAÇÕES

Princípios Gerais

9. As alterações mais significativas no regulamento estão inseridas em seus princípios gerais, que balizam todo o seu entendimento;

10. Talvez o principal retrocesso é o retorno de uma regulamentação voltada conceitualmente para a segurança da máquina. Esta característica remete a concepções com décadas de atraso, sendo a antítese do que prega, precipuamente, a Ergonomia: o que realmente acidenta ou adoece os trabalhadores é a atividade, a interface Homem x Máquina. Há anacronismo no conceito que devemos proteger a máquina, não os indivíduos em interface com ela. Esta condição poderá levar a uma possível minimização de outros fatores, como a organização do trabalho, arranjos físicos e garantias para os indivíduos que executam atividades periféricas (limpeza, ajustes, e outras, consideradas acidentogênicas). Por outro lado, desde o ano passado, o sistema regulamentar de saúde e segurança no Brasil voltou a ser pensado como um ente paralelo ao sistema de normas técnicas do Sistema Internacional (SI, representado pela ABNT no Brasil), inclusive por sua tipificação em “classes normativas”. Além de ferir os diferentes conceitos de regulamentação legal e de normatização consensual para o comércio, esta condição tende a fragilizar a prevenção de agravos à saúde;

11. Possivelmente motivada por esta confusão conceitual, a nova redação da NR-12 promove cláusulas de exclusão do seu escopo, típicas de algumas normas ABNT, inclusive as relacionadas à segurança de máquinas. Talvez a mais preocupante, seu subitem 12.1.4 afirma que não se aplica a NR-12 (traduzindo: exclusão integral de suas obrigações) a “máquinas certificadas pelo INMETRO, desde que atendidos todos os requisitos técnicos de construção relacionados à segurança da máquina”. Como decorrência, nada que ela dispõe: obrigações para as atividades de manutenção, inspeção, preparação, ajuste, reparo e limpeza; procedimentos de trabalho e segurança; capacitação, entre outros, será exigível de máquinas submetidas a um processo de certificação formal ainda desconhecido. Uma vacina contra a norma plantada no seio da própria norma. Há um risco concreto de retorno de arcaicas concepções, como a existência de máquinas-vilãs, desconsiderando outros determinantes para o acidente e o adoecimento humano. Neste contexto, seria factível considerar que, se um acidente de trabalho ocorrer, por exemplo, durante as operações de manutenção ou setup de uma máquina previamente certificada, a possibilidade de imputação de culpa à própria vítima será potencializada;

12. Neste mesmo tópico, subitem 12.1.1, há uma alteração sutil que reflete o espírito flexibilizador e minimizador de direitos presente no processo de revisão. A palavra “garantir”, existente no texto anterior, é substituída pelo termo “resguardar”. A diferença entre os vocábulos é significativa, segundo o Dicionário do Aurélio da Língua Portuguesa. Aqui, a palavra garantir significa: responsabilizar-se por; afiançar; tornar certo; seguro. Já a o vocábulo resguardar tem o seguinte significado: guardar cuidadosamente; defender; abrigar; por a salvo; livrar. Há expressa possibilidade de relativização da responsabilidade do empregador na garantia da proteção da saúde e integridade física dos trabalhadores;

13. Ainda no subitem 12.1.4, há outra mudança, com a ampliação do rol de máquinas e equipamentos aos quais a norma não se aplica: equipamentos estáticos, máquinas certificadas pelo Inmetro (já referidas), além das ferramentas portáteis e ferramentas transportáveis (semiestacionárias), operadas eletricamente, que atendam aos princípios construtivos estabelecidos em norma técnica tipo C (parte geral e específica) nacional ou, na ausência desta, em norma técnica internacional aplicável. Com relação às ferramentas portáteis e ferramentas transportáveis, a sua não aplicabilidade era prevista na Nota Técnica nº 179, da Secretária de Inspeção do Trabalho, porém a sua definição, apresentada no glossário, é confusa.

Outras alterações

14. Outra alteração sutil, com substituição de termos, ocorreu no subitem 12.5.2, que trata dos requisitos de Sistemas de Segurança, alínea “d”. A expressão anterior, referente a dispositivos que “não possam ser neutralizados ou burlados”, foi substituída por “dificulte a sua burla”. Isso poderá dar margem a interpretações flexibilizantes, como o uso de dispositivos de intertravamento indutivos (em regra, não considerados como portadores da função segurança) utilizados em situações com categoria de risco mais elevada, desde que não acessíveis ou ainda que outros cuidados sejam tomados, para “dificultar a sua burla”. Na vida real, esta condição tem sido relacionada a acidentes graves e fatais;

15. Outra mudança importante foi introduzida no subitem 12.5.2, agora na alínea “e”, segundo o qual a necessidade de monitoramento automático do sistema de segurança passa ser indicada pela apreciação de risco, sem definir qualquer critério técnico. Embora a mudança possa ser pontualmente positiva, evitando-se a instalação de dispositivos desnecessários, poderá potencializar distorções e a indicação da não necessidade de monitoramento automático com o simples intuito de reduzir o custo de implantação.

Ergonomia

16. As anteriores obrigações referentes à Ergonomia foram sumariamente remetidas para a Norma Regulamentadora NR-17 e normas técnicas aplicáveis. No entanto, a compreensão da atividade e o uso de ferramentas ergonômicas são fundamentais para o projeto e instalação de um sistema de segurança efetivo para a interface humana com as máquinas, inclusas condições acidentárias possivelmente existentes na execução das tarefas de manutenção, ajuste e similares. Um sistema de segurança no qual a atividade humana não é considerada é um passo para o acidente ocorrer.

Pessoas com Deficiência:

17. Igual raciocínio serve para a exclusão do subitem 12.3, que tratava de pessoas com deficiência (PcD), envolvidas na operação na operação de máquinas e equipamentos, sob a mesma justificativa da existência de legislação específica.

Capacitações

18. Em relação à capacitação dos trabalhadores para operação, manutenção, inspeção e demais intervenções em máquinas e equipamentos, estabeleceu-se que a carga horária mínima será definida pelo próprio empregador, subitem 12.16.3, alínea “c”. Poderá ocorrer que o empregador estabeleça carga horária insuficiente para esta capacitação, visando a simples redução de custos diretos. Há rompimento com a prática do instrumento regulador que estabelece uma carga horária mínima, no caso tendo como base no conteúdo programático previsto no seu Anexo II. Este é um dos papéis fundamentais do método, definir parâmetros mínimos. Neste caso, esta condição foi ignorada.

Inventário de Máquinas

19. Outro importante instrumento de gestão de segurança para máquinas e equipamentos em locais de trabalho foi igualmente suprimido: o inventário atualizado das máquinas e equipamentos, com identificação por tipo, capacidade, sistemas de segurança e localização, sob supervisão de profissional legalmente habilitado. Restou obrigatório apenas que a empresa mantenha, à disposição da Auditoria-Fiscal do Trabalho, uma simples relação de suas máquinas, o que suprime informações importantes para o empregador e para a fiscalização.

A nova redação da NR-12 se alinha com as demais iniciativas governamentais na área de regulação de SST: a busca da simples minimização de obrigações, sem que haja percepção e cuidado com a garantia da integridade das pessoas.

Embora traga alguns poucos pontos positivos, é preponderante o anacronismo das concepções utilizadas e o retrocesso em itens fundamentais.

17 de Setembro de 2019.

Instituto Trabalho Digno

www.trabalhodigno.org

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