Sindicato dos Trabalhadores em Postos de Combustíveis da Bahia
/ terça-feira, maio 21, 2024
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Opinião – A classe trabalhadora é um gigante social

Protestos no Rio de Janeiro, no último sábado (5), em protesto pela morte brutal de Moïse Kabagambe - Carl de Souza / AFP
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Véu de invisibilidade hoje encobre a potência da classe trabalhadora brasileira. O que tem de ser tem muita força Sabedoria popular portuguesa

A classe trabalhadora brasileira é um gigante social. Quando se colocou em movimento, nos anos oitenta, fez tremer os pilares de sustentação da ditadura. Um véu de invisibilidade hoje encobre sua potência, e diminui a influência que pode exercer sobre os destinos do país, mas não esconde a robustez de sua força social de choque.

Ela não saiu às ruas em 2021, infelizmente, na campanha Fora Bolsonaro, por variadas razões objetivas e subjetivas, mas voltará a lutar. Não sabemos quando, mas ela será protagonista das lutas que o futuro nos reserva.

Uma premissa marxista é que devemos conhecê-la: (a) permanece superexplorada através de salários baixos, embora seja a maioria da nação; (b) está muito concentrada, em mais de vinte cidades e regiões metropolitanas com um milhão ou mais de habitantes; (c) o peso da juventude diminuiu, quando comparada há quatro décadas, mas um em cada três têm menos de trinta anos; (d) passou por uma intensa feminização, nos últimos trinta anos, sendo esta a sua camada mais oprimida; (e) há um peso imenso, em muitas regiões, majoritário, de negros, portanto, vítimas do racismo; (f) tem, em 2022, menos homogeneidade interna que em 1979, mas a escolaridade média dobrou; (g) exerce e sofre a pressão do peso do semiproletariado, mas tende a arrastar para o seu campo a maioria pobre e popular das cidades e do campo; (h) não tem organização, salvo raras exceções, nos locais de trabalho; (i) sofre, em especial nas empresas privadas, com um índice baixo de sindicalização.

São mais de 12 milhões de operários industriais, mais sete milhões na construção civil, quase cinco milhões nos transportes, e dezesseis milhões de funcionários públicos.

A fragilidade da organização independente, sindical e política dos trabalhadores, e a imaturidade dos níveis de consciência que ainda prevalecem não deve nos desencorajar. As ilusões reformistas não morrem sozinhas. Só a experiência prática de dezenas de milhões de trabalhadores pode abrir o caminho na luta de classes. Reconhecer a grandeza objetiva, mas, também, os limites subjetivos do movimento da classe na atual etapa da luta de classes não deve diminuir nossa confiança estratégica na revolução brasileira.

degradação das condições materiais explicam, mas só parcialmente, que o nível médio de consciência tenha retrocedido, quando em comparação com o impulso classista dos anos oitenta, quando a classe trabalhadora brasileira foi uma das que mais lutaram no mundo. É impossível compreender as expectativas limitadas, em grande medida rebaixadas, sem considerar, também, o papel das organizações e lideranças como o PT que, sendo majoritárias, desencorajaram e deseducaram a classe apostando em acordos com a burguesia para garantir a governabilidade durante treze anos.

Ainda assim podemos observar que: (a) ao tamanho do proletariado corresponde força e esperança quando se coloca em movimento, mas, em função dos baixos níveis de organização, também, medo de represálias dos patrões e do Estado; (2) à juventude da classe trabalhadora corresponde audácia, ou seja, coragem, mas, também, tendência a reações impetuosas e até, também, explosivas; (3) à feminização da força de trabalho corresponde obtusidade machista, mas, ao mesmo tempo, reação feminista; (4) à concentração em gigantescas regiões metropolitanas corresponde impacto da força social de choque quando em luta, mas pesam as diferenças regionais entre nordeste e sudeste, entre sul e norte, e entre setores profissionais da classe, com impulsos corporativos; (5) ao peso da afrodescendência corresponde a pressão pela unidade contra os preconceitos, mas também, as pressões da herança racista; (6) à superexploração corresponde ressentimento social e disposição de luta, mas, também, uma estrutural insegurança diante do medo da miséria; (7) à heterogeneidade social corresponde preconceitos internos e dificuldade de união, em especial, entre o funcionalismo público e trabalhadores do setor privado; (8) à pressão do semiproletariado corresponde alento e vigor e, em outro nível de análise, do lumpen, incerteza e desalento; (9) à desorganização na base corresponde insegurança, e também dificuldade de vigilância sobre os dirigentes, ou alguma tolerância com o personalismo; (10) à fragilidade de organização sindical corresponde a tendência à burocratização de suas organizações e movimentos; (11) à despolitização correspondem as ilusões reformistas, ou seja, enganos sobre as possibilidades de mobilidade social individual; (12) à pouca instrução corresponde autodidatismo, forte influência religiosa, mas, também, anti-intelectualismo.

As pesquisas do DataFolha sinalizam que o lulismo ainda tem imenso apelo de massas. A experiência foi importante, em especial, nos setores organizados, mas a ruptura foi incompleta. O desgaste do PT nunca atingiu Lula com a mesma intensidade. Os elementos “messiânicos” das ilusões reformistas estão vivos. Mesmo os que romperam com Lula mantêm ilusões em negociações com a classe dominante.

A conclusão que se impõe, quando pensamos em perspectiva este ciclo histórico de quatro décadas, é que a experiência da classe trabalhadora é lenta. Em situações defensivas, os trabalhadores, mesmo nos setores mais organizados e com tradição de luta, fazem cálculos de risco antes de se expor na luta frontal. Desde 2016, a evolução desfavorável da relação de social de forças forçou a classe a fazer um recuo, preservando suas energias, esperando condições mais animadoras. Mas ela permanece a esperança de que é possível mudar o Brasil. Nada nem ninguém podem substituí-la. Sem ela não é possível impor derrotas aos capitalistas. Sem a sua mobilização não é possível e não vale a pena a luta pelo poder.

Mas ser marxista é ter a certeza que a luta de classes abrirá o caminho.

Mais do que nunca devemos depositar confiança na classe trabalhadora.

www.brasildefato.com.br/Valerio Arcary, professor titular no Instituto Federal de São Paulo (IFSP), militante da Resistência/PSOL e autor de O Martelo da história, entre outros livros.

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