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/ domingo, abril 28, 2024
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Mortes de crianças e adolescentes no trabalho escancara racismo no Brasil

O trabalho na indústria do cacau já foi flagrado empregando mão-de-obra infantil - Divulgação/MPT
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Em uma década, quase de 25 mil pessoas de até 17 anos foram vítimas de acidentes enquanto trabalhavam

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Dados divulgados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostram que, entre 2011 e 2020, foram registrados 24.909 acidentes de trabalho (AT) envolvendo crianças e adolescentes no Brasil. O número de óbitos chegou a 466 nesse período. Em 16% dos casos, as vítimas tinham menos de 14 anos, o que é ilegal no país.

A pesquisa Perfil dos Acidentes de Trabalho com Crianças e Adolescentes no Brasil, de 2011 a 2020, aponta que as vítimas fatais mais frequentes são jovens pretos e pardos. Mais de 56% dos óbitos registrados no período ocorreram nessa população.

O recorte de idade também reforça o risco maior para crianças e adolescentes negros e negras. “Nas faixas de 14 a 15 anos e de 5 a 13 anos, predominam crianças e adolescentes da raça/cor da pele negra (pardos e pretos). Por sua vez, entre os óbitos notificados, a proporção de óbitos de negros (56,2%) supera a de brancos (40,1%)”, diz o estudo.

Segundo, Élida Hennington, professora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fiocruz, a realidade pode ser ainda mais grave, já que há subnotificação dos registros. Principal autora do estudo, ela assina a pesquisa com Flávio Astolpho Rezende professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fiocruz.

“Sabendo que os dados de AT, apesar de números terríveis, são notoriamente subnotificados no nosso país. Como podemos aceitar tantas crianças e adolescentes trabalhando, vítimas de acidentes, e o que é pior, morrendo por AT? Foram 466 óbitos em 10 anos. Como podemos considerar aceitável 47 crianças mortas por AT a cada ano? A maioria, crianças negras e pobres, pois, como se sabe, vivemos num país racista”, alerta Hennington.

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Segundo a pesquisadora, 73% dos acidentes foram classificados como “típicos”. Eles ocorrem no ambiente de trabalho ou fora dele a serviço da empresa e os riscos são consequência da atividade laboral.

“É o caso, por exemplo, de um adolescente que trabalha em canavial cortando cana e se corta com o facão, ou de uma criança que vende bala na rua e acaba sendo atropelada. Os modos de prevenir irão depender muito do tipo de atividade, do processo e ambiente de trabalho e da forma como se organiza: treinamento e práticas formativas e educativas; uso de equipamentos de proteção individual e coletiva; adequações do ambiente e processos de trabalho, melhoria das condições de trabalho.”

Hennington ressalta, no entanto que, no caso de crianças e adolescentes a solução é combater o trabalho infantil. “Essa é a melhor forma de prevenção. Crianças e adolescentes devem estudar, brincar, fazer esporte, participar de atividades culturais e de lazer. O trabalho precoce prejudica o desenvolvimento físico e mental e de suas potencialidades.”

A informalidade também atinge mais crianças e jovens negros. Segundo o estudo, o contingente de pessoas não registradas foi expressivo nos casos de acidentes. Mais de 84% dos trabalhadores informais era do sexo masculino e quase 50% eram negros, na faixa etária de 16 a 17 anos.

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Ainda de acordo com o estudo, na década observada, houve aumento de 3,8% no registro de acidentes com crianças de 5 a 13 anos. Cabe ressaltar que o trabalho nessa idade é proibido por lei no Brasil. Nas faixas etárias a partir de 14 anos, em que a ocupação já é legalizada, houve queda de 50%.

O setor de serviços é o que mais concentra situações dessa natureza. Isso inclui serviços domésticos em geral, hotelaria e alimentação, embelezamento e cuidados pessoais e trabalhadores das chamadas funções transversais, o que engloba embaladores e alimentadores de produção, por exemplo.

Entre as atividades também aparecem o trabalho no comércio, na indústria extrativista, na construção civil e na exploração agropecuária. O total de acidentes de trabalho registrados entre crianças e jovens ao longo da década analisada representa 3% de todas as ocorrências no período.

www.brasildefato.com.br/Juliana Passos e Nara Lacerda

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